terça-feira, 27 de maio de 2008

História da dança clássica

Uma breve dissertação sobre a história da dança através das épocas.

O Ballet é a representação cênica em que combina dança (bailado), música, pantomima, cenário e figurinos para dar a um enredo ou argumento (libreto) interpretação visual tão completa que dispensa a palavra. A Dança é o centro do espetáculo (Ballet vem do italiano BALLARE, dançar, através do francês BALLET). Tudo o mais lhe é acessório.

Aos poucos a dança se estabilizou, dominou os outros elementos, passou a exigir movimentos tão refinados e rapidez tão estonteante que o Ballet deixou de ser uma extravaganza de bom tom para transformar-se em teatro, coreografia montada e executada por profissionais, bailarinos, ginastas, atletas. Diversificou-se, depois, em duas modalidades principais: dança pura, acrobática, de alto requinte, já sem características do bailado imitativo, inquadravel entre as danças abstratas; e a dança dramática, mais próxima do ballet original, de sociedade, como apresentação mímica de uma história ou tema.

Mas tanto no Ballet abstrato como no ballet dança dramática a forma criou sua linguagem própria, hierárquica, estereotipa, montada sobre uma série de posições e movimentos convencionais, de ensino rígido e aprendizado obrigatório.

O ballet é, indubitavelmente, uma das artes em que mais impulso ganhou após o ultimo grande conflito mundial, em 1945. A dança é uma arte que exige interpretes destro de uma faixa etária, com a qual a juventude pode se identificar.

Se a dança ocupa uma posição até certo privilegiada, é porque a partir de 1930 ela deixou de ser apanágio de umas poucas nações para se espelhar, principalmente pelos jovens países das Américas, que absorvem essa forma de arte, não por um processo colonialista, mas porque simplesmente era mais um tipo de informação para se formar aos seus conhecimentos. A internacionalização da dança, de seus princípios básicos, é um fato em nosso século, semelhante ao que já acontecera, por exemplo, com a música e a pintura há mais de 200 anos. A proliferação das companhias de ballet no mundo inteiro merece uma digressão mais detalhada, não apenas por ser fruto de todo um passado, mas principalmente porque com ela convivemos nos dias de hoje.

Os primórdios ao Século XVIII

Em todas as épocas e em todos os povos, exceto no intervalo de 2000 anos de história ocidental, a dança esteve enraizada em todas as experiências vitais das sociedades e dos indivíduos : as do amor e da morte, das guerras e das religiões.

A vida cotidiana pode ser expressa pela linguagem, mas não os acontecimentos transcendem. A dança exprime estas transcendência. O homem dança para falar sobre o que ele honra ou sobre o que o emociona.

"A dança", dizia Platão, "é um dom dos deuses. Ela deve ser consagrada aos deuses que a criaram".

Por que nem sempre esse significado da dança aparece hoje em dia de forma evidente?

Como pode a dança, que sempre foi, nas regiões não ocidentais, a matriz da cultura e sua mais alta expressão da vida, ter chegado ao grau de decadência e futilidade do ballet clássico no início do século XX?

A dança sempre falou do amor, da luta, da morte e das coisas depois da morte, degenerou, então, num academismo e num virtuosismo sem nenhum significado humano.

Há, para tanto, razões históricas.

Depois do grande florescimento da arte grega, os romanos, povo de soldados, administradores e legisladores, que não viveram; do ponto de vista estético, senão de empréstimos e que aviltaram tudo que tocaram, degradaram a dança como fizeram com a poesia, a escultura e a filosofia. Na Roma cosmopolita da época do Baixo Império, onde não mais podia se representar o drama de falado por causa da diversidade de línguas, e onde os espetáculos refletiam a decadência da história, as artes tornaram cada vez mais grosseiras, sendo representadas pela violência sádica do circo e a obscenidade da pantomima.

A dança foi, assim, envolvida na corrupção do modo de vida romano.

O cristianismo, na sua condenação deste mundo que apodrecia, englobou as artes que refletiam essa decomposição.

Os padres da Igreja, Santo Agostinho entre elas, condenara "essa loucura lasciva chamada dança, negócio do diabo". Além desta maldição circunstancial, a contaminação do pensamento bíblico pelo dualismo grego que levou São Paulo a opor o espírito aos sentimentos e a desprezar o corpo: o bem, no homem, só está na alma, e todo o mal vem da carne. Essa perversão dualista do cristianismo trouxe como conseqüências a consideração do corpo como obstáculo à vida da alma e a orientação da vida para outro mundo, com a negação da carne, que deve ser ignorada, punida, e mortificada. Nessa atmosfera de suspeita em relação ao corpo, a dança perdeu sua força. A partir do século IV, com os imperadores ditos "cristãos", o teatro e a dança foram condenados. O batismo era recusado aos que atuavam no circo ou na pantomima. E 398, no Concílio de Cartago, os que iam ao teatro nos dias santos foram excomungados. Mesmo no século XVII, na França, os comediantes ainda não podiam ser enterrados no "campo santo". A tradição popular, no entanto, é tão forte que até o século XII a dança, sob a forma de rondas que acompanhavam os salmos, fez parte da liturgia. Havia aí um aspecto particular de um movimento mais geral de compromisso: "à medida que as tribos pagãs da Europa e da Ásia Menor se convertiam, os missionários construíam as igrejas nos locais dos antigos templos, tomando emprestados aos ritos autóctones os sinos, as velas, o incenso, o conto e a dança.

A partir do século XII, a dança foi banida da liturgia.

Não sobreviveu senão nas "danças macabras", danças da morte e contra a morte, numa época de temor a fome, da guerra e da peste. Na época da peste negra , 1349, multiplicaram-se os fenômenos de transe e possessão, com as danças convulsivas. Fora disso só se desenvolveram as danças profanas: as caroles dos camponeses, que se desdobraram nas farândolas evocadas por Breughel e depois Rubens, e as basses danses dos nobres, sufocados em pesadas vestimentas de luxo.

A dança só voltou a florescer no Renascimento, quando surgiu uma nova atitude e relação ao dualismo cristão, e os valores mundanos da vida e do corpo foram novamente exaltados.

Pode-se dizer, a rigor, que a dança saiu do gueto, porque, repudiada pela sociedade oficial da Igreja, a tradição só foi mantida nos guetos e, no século XV, o primeiro grande professor da dança da Itália foi Guglielmo Ebreo (Guilherme, o Judeu) teve um papel fundamental na criação do ballet como coreógrafo do duque Urbino, na mesma época em que Piero della Francesca era pintor deste. Depois Guglielmo Ebreo passou a servir de Loureço, o Magnífico. Foi o autor do primeiro tratado da dança, no qual as qualidades de dançarino: o ritmo, pelo qual ele segue a cadência; a memória dos passos e suas combinações; o sentido do espaço, para compor figuras num enquadramento limitado, ser leve, dominar a arte do salto e da queda elegante; a "maneira", isto é, o estilo de elegância e a coordenação dos movimentos do corpo que se desloca com graça e precisão. Não é exagero dizer que a obra de Guglielmo Ebreo está na origem da criação do futuro do ballet.

Durante a baixa Idade Média, do século XIII ao XV, só se desenvolveram as danças corais rústicas entre o povo, sobrevivência ou produto das antigas danças pagãs, e as danças da corte, nascidas das cours d’amour, espécies de lides poéticas em meio às quais o diálogo, às vezes, se tornaram em mímica ou num dança de pares.

No século XV, na Itália, o ballet nasceu do cerimonial da corte e dos divertimentos da aristocracia.

No mundo Renascimento em vias de secularização, as artes que estavam até então a serviço da Igreja, tornaram-se símbolo de riquese e poder.

Quando Catarina de Médici, bisneta de Lourenço, o Magnífico, foi para a França para casar-se com o duque de Orléans (futuro – Henrique II), trouxe consigo um grupo de músicos e dançarinos e coreógrafos da corte de Florença, Baldassari de Belgiojoso que, afrancesando seu nome para Balthasar de Beaujoyeux, transformou o ballet da corte em ballet teatral.

Em 1851, na corte de Henrique III, em Fontaineblau, ele realizou o Ballet Comique de la reine, juntam do pela primeira vez a dança a música e o drama teatral: em torno do tema mitológico da feiticeira Circe, com ampla utilidade maquinaria e jorros de água, compôs um espetáculo noturno de seis horas, de dez mil espectadores. O sucesso foi enorme: cópias da música libreto foram enviadas a todas as cortes da Europa. Tinha nascido o ballet clássico.

O movimento desenvolveu na Itália com a ópera, que nasceu, em 1597, do desejo dos nobres florentinos de reviverem o corpo da tragédia antiga: nove anos depois da Dafne de Jacopo Peri, primeiro drama musical, Monteverdi criou Orfeu.

Separada do ballet na Itália, a ópera ministrou-se com ele na França. Na Inglaterra, a dança se desenvolveu com o teatro Elizabetano. Shakespeare dá, francamente, como indicação cênica: "Aqui, dança", tomando como certo que os atores fossem também bailarinos. Era grande tradição da comedia dell’arte italiana, que exigia que o ator fosse não somente capaz de improvisar e impor sua personalidade criadora mas também fosse mímico, acrobata, esgrimista, bailarino; músicos detentor de uma grande cultura. Este movimento elizabetano foi cortado pelos puritanos, sob Cromwell, e até o século XX, a Inglaterra não contribuiu com mais nada para a dança.

No século XVII, o centro de expressão do ballet se deslocou, da Itália para a França. Balthasar de Beaujoyeux define o ballet como "uma combinação geométrica de várias pessoas dançando juntas". Como o espetáculo era, em geral, visto do alto de balcões, camarotes ou estrados, o essencial era o desenho dos movimentos no chão, as danças se desenvolveram no palco horizontal, seguindo a tradição de que se chama basse, na qual os pés nunca saíram do solo.

Grandes mudanças se produziram sob o reino de Luís XIV, que participou, como primeiro bailarino, de vinte e seis Ballet´s e deve o seu epíteto de "Rei Sol" ao ballet de la nuit, no qual, em 1653, dançou com 15 anos o papel do Sol.

Lulli um dos bailarinos e músicos italianos trazidos para a França por Mazarino, dançou com oportunidade com o rei.. Tendo –se tornado diretor da Academia Real de Música e Dança, Lulli conseguiu, em 1673, que os ballets fosse representados no Malais Royal (como as peças de Moliere, co o qual ele colaborou para criar as comédias-ballets).

O fato de ser representada sobre um palco elevado (como no teatro italiano) teve conseqüências importantes para a evolução da dança clássica. Como os espectadores estavam todos do mesmo lado (e não mais em volta como antes) era necessário que o bailarino ficasse de frente para o público, mesmo quando se deslocava de um lado para o outro do palco: a solução para esse problema constituiu e virar a coxa e o joelho para fora. Este movimento, cada vez mais pronunciado, foi codificando, em 1700, por Pierre Beauchamp, professor de dança de Luís XIV e depois maitre de ballet da Academia Real, que definiu, antes de qualquer outro, as cinco posições dos pés e as regras do port de bras.

A separação, pelo palco, dos cortesãos amadores e dos bailarinos profissionais permitiu um rápido progresso técnico. Tanto mais que a elevação do palco, mudando as perspectiva de visão, encorajou não mais as figuras horizontais, desenhadas no chão, mas sim e extensão vertical dos movimentos, os saltos.

A codificação da dança por Pierre Beauchamp e pela Academia de Dança, assim como a da língua pela Academia Francesa e da pintura, pela Academia de Pintura, levou, como em qualquer campo, ao "academismo" e à esclerose. A perfeição técnica tornou-se um fim em si mesmo: o essencial, a partir daí, era a clareza, o equilíbrio e a ordem, mesmo que isso levasse à rigidez. A arte se separa da vida e de sua expressão.

Durante cinqüenta anos, da morte de Lulli até a aparição de Romeau, a técnica pura esterilizou o criador.

E 1735, com sua ópera Les Indes galantes, Romeau ocupou o lugar de Lulli. Os artistas se voltara então para a danse haute, para uma técnica brilhante em haute, com seus saltos, seus entrechats, seus battus. Mas tudo isso não passava de virtuosismo puro, senão mesmo de acrobacias sem significação humana: para fazer o elogio da "primeira bailarina" da ópera, Maria Camargo, evocava-se um feito atlético: ela foi a primeira, diz-se, a executar um entrechat quatre. Da mesma forma dois séculos mais tarde um biólogo entusiasta de Serge Lifar enumera seus recordes: entrechat douze, cabriole, tripla, douze piruetas, tours en l’air, três grand jetés, para cruzar o palco da ópera de Paris, bela palma de ouro para um acrobata virtuoso ou para o especialista em uma língua morta, como se tornara a língua do ballet clássico no início do século XX.

Do século XVII até nossos dias, a dança clássica só se tornou viva pelos seus hereges, aqueles que lhe quiserem dar uma significação humana, utilizando o virtuosismo técnico apenas como meio para expressar através da linguagem da dança experiências humanas tão grandes quanto aquelas que Miguel Ângelo, Shaespeare ou Bethoven expressaram através da linguagem de suas artes.

Dentre esses, destaca-se Jean-Georges Noverre (1727-1810), certamente a mais importante figura da dança na século XVIII, refordor cuja obra principal, além de inúmeros bailados, foi Lettres sur la danse et sur les ballets, uma exposição de leis e teorias do ballet, até hoje considerada a melhor do gênero. Noverre reclamava maior expressão integrada na própria dança, maior simplicidade e comodidade nos trajes. Para ele, o ballet d’action é "uma ação expressa pela dança". As suas palavras são: "a ação, na dança, é a arte de fazer passar emoções e ações à alma do espectador pela expressão verdadeira dos nossos movimentos, de nossos gestos e de nosso corpo".

Para Noverre, a dança não era simplesmente virtuosismo físico, mas sim, um meio de expressão dramática e comunicação.

Diderot retomou esta definição na sua Enciclopédia: "o ballet é uma ação explicada pela dança". Noverre estava em sintonia com a vanguar da filosófica e artística do século XVIII. Voltaire lhe dizia: "Você é Prometeu, deve modelar os homens e fazê-los mover-se.

Numa de suas Lettres, Noverre assim definiu seu método de criação coreográfica e sua concepção das relações da dança com a música: "antes de escolher áreas para elas adaptar passos, antes de estudar passos para formar ballet, eu procurava, seja fábulas, na história ou mesmo na minha imaginação, assuntos que não somente desse lugar ao uso de danças e festas, mas também oferecem, no seu desenvolvimento, uma ação e um interesse gradual. Uma vez concebido o meu poema, estudava todos os gestos, todos os movimentos e todas as expressões podiam mostrar as paixões e os sentimentos que meu assunto à tona trazia. Só após este trabalho eu fazia apelo à música, ponto sob os olhos do músico os diferentes detalhes do quadro que eu acabava de esboçar, eu lhe pedia, então, uma música adaptada a cada situação e a cada sentimento. Em lugar anotar passos sobre áreas prontas, como fazemos versos sobre àreas conhecidas, eu compunha, se posso assim me exprimir, dialogo de meu ballet e pedia que fosse feita a música para cada frase e cada idéia. Foi assim que deitei a Gluck a área característica da dança dos selvagens em Ifigênia em Táuride; os passos, os gestos, as posições, as expressões dos diferentes personagens, da forma como lhe mostrei, deram a ela as características para a composição deste belo trecho de música."

Noverre morreu em Saint-Germain e 1809, escrevendo solitariamente um Dictionnaire de la Danse. Só um século mais tarde, com Daghilev e fokine, se retomou sua obra percursora da ballet moderno.

Além de Noverre, ainda nesse século, destaca-se Vigano, seu discípulo, reconhecida como genial Bethoven e Stendhal, mas que acabou eclipsando pelo estouro da vaga e da dança romântica. A morte de Vigano, em 1821, arcou o fim de um período: a pedra tumular se fechou sobre a revolução, este pesadelo que os antigos e os privilegia dos que queria esquecer.

Na verdade, a Revolução Francesa, além de reformas nos trajes, não trouxe grandes evolução a arte da dança. Nessa época, foi fechada a Academia Real de Musica e Dança, que só seria reaberta com a restauração. Nem a época de Napoleão deixou reflexos marcantes na arte coreográfica. Na França, o ballet entrou em decadência até o século XIX. Seus mestres, no entanto, haviam deixado um grande acervo de experiências. Foram desse período inicial os livros de Attaignat, Thoignant, Thoinot d’Arbeau, Baeauchamp, Raoul Feuillet, Bohet, J. F. Rameau, Mapus, Arthur Saint-Léon e, sobretudo, as obras do já citado Noverre e as de Carlo Blasis.

O Ballet do Século XIX

O século XIX, século da Revolução Industrial, é a idade de ouro do ballet, como arte de evasão da realidade. A primeira preocupação da burguesia que a partir daí formou o público da ópera, e em cujo seio surgiu o "baletômano", personagem típico do século XIX, foi imitar o luxo e as preferências da aristocracia precedente. Reagido contra a obra inovadora de Noverre Vigano, Carlo Blassis estabeleceu o Código de Terpsicore, codificado as bases da dança clássica, numa etapa nova de seu desenvolvimento. Através de um agiornamento prudente das normas de Pierre Beauchamp. Ele enfatizou o desenho geométrico dos membros, integrou a pantomima e definiu as posições de base da dança clássica a partir da escultura, principalmente do Mercúrio dançando de Jean Bologne. Blasis teve papel fundamental no desenvolvimento de danse d’école e do novo academicismo.

Esta nova exigência de fugir de um mundo que se tornava um pouco sórdido pela especulação financeira, pelo capitalismo industrial e pelo comércio, e onde cada burguês, como disse Balzac: "tem uma moda de cem réis escondida no fundo da consciência", traduziu-se no simbolismo pueril de uma dança onde a preocupação essencial parecia ser a negação da terra e da gravidade. Essa tendência, alias, levou, no palco técnico, as conquistas significativas: atribui-se geralmente à bailarina Maria Taglione, em 1826, a invenção da "ponta" que maravilhou seus contemporâneos. Foi com ela que se inaugurou o Romantismo na dança, que antes já dominara a literatura, a música, o drama, e a pintura. As bailarinas se tornaram seres etéreos, quase irreais. Desejando realizar esse ideal de imaterialidade, Taglione revolucionou toda a técnica e a estética da dança. Assim como a sapatilha de ponta deu a bailarina a possibilidade de flutuar nas pontas dos pés e de executar proezas técnicas, o vestido, que se tornou obrigatório, passou a ser o TUTU, vestido semi longo, de tule, com um corpete justo possibilitando total liberdade de movimentos.

Durante todo o século, a bailarina firmou seu predomínio, sobre o bailarino, cada vez mais reduzido ao papel de porter, de instrumento de "elevação" da estrela quando seus saltos não afastam o bastante do chão: era o instrumento intermediário entre a sapatilha de extremidade rígida, que permitia acentuar a ponta, e o cabo no qual se suspendia a bailarina para faze-la voar. Pois a bailarina aérea, imponderável, que mal toca o solo, que é arrebatada dele como uma acrobata e, que, afinal voa, era evidente, a imagem do espiritual.

A imagem romântica da mulher, não sob sua forma terrestre, mas como um sonho, por definição inacessível, contribuiu para desenvolver, na dança de espetáculo, o gosto da proeza gratuita e do maneirismo.

Uma tal concepção da dança, não podendo se inserir na vida real, foi buscar seus temas nos contos de fadas, representados num cenário de realismo poeirento, assinalando o contraste entre a natureza e o sobrenatural, o sonho e o real.

O uso do gás, a partir de 1820, permitiu um tipo de iluminação que não era alcançado por velas e serviu, no palco, para sustentar cenas fenéricas e sem substância.

Maria Taglione dançou, pela primeira vez, La Sylphide na Ópera de Paris, obtendo grande sucesso, peça que é o protótipo do ballet romantico, com suas fadas, seus elfos, seus gênios, seus fantasmas, todo o aparato de um imaginário de pacotilha que se tornou acessório obrigatório do ballet clássico até nossos dias.

E 1841, Jean Coralli criou Gisele, considerado o maior e mais tradicional dos bailados por exigir qualidade emotiva de suas interpretes. Em 1845, Jules Perrot produziu Pas de quatre, ainda hoje encenado, e em 1870 Arthur de Saint-Léon criou Copélia, com música de Delibes, componentes do grupo de bailados tradicionais (chamados clássicos, mas na verdade, românticos) que ainda perduram.

Mas na verdade o entusiasmo pelo ballet na França diminuiu a partir de meados do século XIX, exceto para os baletômanos, que que permaneceram fiéis, durante mais de um século, a esta formula e a seus ritos.

O ballet clássico, nascido na Itália e levada para a frança, emigrou mais uma vez, para a Rússia, com Petipá, primeiro bailarino da Ópera de Paris, que exerceu, durante de mais de meio século, uma verdadeira ditadura coreográfica sobre os ballets imperiais dos czares.

O ballet tornou-se então, mais uma vez, ornamento de um regime aristocrático. Era, além disso, uma arte eclética, sem raízes nacionais no povo e, por conseguinte, sem caráter nacional: tendo sucessivamente pela Itália, França e Rússia, não guardou a marca de nenhum desses países.

A Rússia imperial importou seus coreógrafos, entre os quais se destacou Petipá, contratado em 1847 como primeiro bailarinodos Teatros Imperiais de São Petesburgo, tornou-se maitre de ballet em 1862, sendo que foi sob sua direção que a Rússia se tornou o grande centro do ballet até o início do século XX. Entre suas montagens, encontram-se o Lago dos Cisnes, que era uma nova versão de La Sylphides, A Bela Adormecida, de Tchaikowsky, expressão suprema, na sua versão russa, do mais ultrapassado romantismo: sonho de amor fantástico, equilíbrio aéreo de leveza. Era uma arte dirigida a uma aristocracia de sangue e de dinheiro, a que o povo não tinha acesso.

Mesmo após a Revolução de Outubro, quando as classes populares tiveram acesso ao Bolshoi de Moscou, o conteúdo do espetáculo não mudou, valorizando a mesma perfeição técnica incomparável, os mesmos cenários de um realismo poeirento, os mesmos contos de fadas: O Lago dos Cisnes ou A Bela Adormecida, Giselle ou La Sylphides.

O Ballet do Século XX:

Com o advento da dança moderna e sua aceitação pelo público, os ratistas do bailado clássico verificaram que era tempo de renovar sua arte, sob pena de vê-lo sepultada. Exemplo dessa nova visão é Diaghilev, grande organizador, diretor do bailado russo no início deste século, que foi o primeiro a chegar a essa conclusão e as suas últimas criações foram lançamentos de vanguarda sob todos os aspectos. Cinco países lideram a dança em nossos dias: Inglaterra, Dinamarca, Rússia, França e os Estados Unidos.

Roger Garady, em sua obra "Dançar a vida", é inflexíveis a criação quando à petrificação ideológica que imperou na arte do bailado clássico, afirma que a linguagem da dança clássica, em que pese as modificações levadas a efeito no Bolshoi, não chego a ser fundamentalmente modificada, permanecendo exatamente como a dos teatros imperiais, como a mesma alta perfeição técnica, mas sempre sem nada a dizer ao homem.

O autor prossegue acusando que a mesma língua morta reina ainda, no essencial, em todos os grandes teatros da Europa. De Moscou a Paris, de Estocolmo a Milão, as mesmas inovações após realizar os seus vinte e quatro Fouettés. Acrobacia graciosa, própria para os olhos, como um quadro de Degas.

Garaudy desebafa dezendo: "será que não podemos esperar da dança sem subestimar a beleza ou e necessidade dos exercícios do ballet clássico e a disciplina fecunda que ele exige, que o gesto seja um mensageiro para nos comunicar emoções mais complexas que as acrobacias graciosas, e que ele seja uma linguagem mais variada, mais viva para exprimir os dramas e as esperanças do nosso século?"

E prossegue: " Não seria um símbolo desse impasse do ballet do século XX o destino trágico Nijinnki, o mais extraordinário dos bailarinos clássicos? Ele consumiu sua vida na procura de algo de significativo para dizer e acabou mergulhando, antes dos trinta anos, na loucura e na morte, por não Ter podido expressar, nessa língua morta, a mensagem que transbordava de seu coração."

Para o autor, "A dança, no início do século XX, tinha se transformado numa arte decorativa, desumanizada como uma rainha fútil e bonita, embalsada no seu caixão de vidro. Com seu sorriso congelado, seus gestos imutáveis, seu tutu e suas sapatilhas rosas ela estava nua situação da Bela Adormecida, dormindo há cem anos enquanto o mundo mudava vertiginosamente ao seu redor. Qual o Príncipe Encantado que iria acordá-la?"

É a proposta da união dos sentimentos com a técnica.

Fonte:http://www.balletgutierres.com.br/historiadan.htm

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